terça-feira, 31 de janeiro de 2012

"... nas paredes  da memória, essa lembrança é o quadro..."

"Assim, continuaram vivendo numa realidade escorregadia, momentaneamente 
capturada pelas palavras, mas que haveria de fugir  sem remédio quando 
esquecessem os valores da letra escrita. Na entrada do caminho do pântano, 
puseram um cartaz que dizia 'Macondo' e outro maior na rua central que dizia 
'Deus existe'. Em todas as casas haviam escrito lembretes para memorizar os 
                                                        objetos e os sentimentos. Mas o sistema exigia tanta vigilância e tanta 
fortaleza moral que muitos sucumbiram ao feitiço de uma realidade 
imaginária, inventada por eles mesmos, que acabava  por ser menos prática, 
porém mais reconfortante. Pilar Temera foi quem mais contribuiu para 
popularizar essa mistificação, quando concebeu o artifício de ler o passado nas 
cartas como antes tinha lido o futuro. Com esse recurso, os insones 
começaram a viver num mundo construído pelas alternativas incertas do 
baralho, onde o pai se lembrava de si apenas como o homem moreno que 
havia chegado no princípio de abril, e a mãe se lembrava de si apenas como 
a mulher trigueira que usava um anel de ouro na mão esquerda, e onde uma 
data de nascimento ficava reduzida à última quarta-feira em que cantou a 
calhandra no loureiro. Derrotado por aquelas práticas de consolação, José 
Arcadio Buendía decidiu então construir a máquina da memória, que uma vez 
tinha desejado para se lembrar dos maravilhosos inventos dos ciganos."

 GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ. Cem Anos de Solidão. 1980. p. 38-39. 


   Nos últimos 23 anos, eu tive a grata oportunidade de ouvir muitas, muitas, muitas declarações elogiosas de alunos que queriam exprimir gratidão, carinho e sobretudo, reconhecimento. Algumas eu guardo comigo registradas na memória: palavra por palavra. No final de 2011, depois da solenidade de Formatura, o aluno Ronald (um dos vencedores do Troféu Abacaxi 2011) olhando para a foto da Turma, que aparece no Calendário, que eu dei para cada aluno como "lembrança", disse: "Essa foto ficou muito pequena. Eu queria uma foto da senhora grande, bem grande (e fez com as mãos o tamanho que ele queria. De fato, era bem grande, quase um outdoor). Eu perguntei por que uma foto tão grande, o que ele faria com uma foto daquele tamanho. E ele respondeu que colocaria numa moldura e penduraria na parede - "Prá nunca esquecer da senhora". Impossível não lembrar daqueles personagens de Cem Anos de Solidão (Garcia Marquez) que escreviam em pedacinhos de papel as suas lembranças - fatos, situações, acontecimentos, nomes de pessoas, nomes de lugares, datas... e depois penduravam nas paredes das casas, "prá nunca esquecer". 
   Foi o que eu fiz: escrevi num papel bem grande o desejo do Ronald, coloquei numa moldura e pendurei na parede - a principal - da Galeria da Memória, "prá nunca esquecer".

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