segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Lembranças do Aprendizado I

Escola Municipal Uruguai, Rua Ana Néri, São Cristóvão, Rio de Janeiro. Hoje eu sei é uma Escola da 1ª CRE. Na década de 70 eu estava aprendendo a cantar o Hino do Uruguai (não esqueci, até hoje), a carregar corretamente a bandeira (eu integrava o Pelotão da Bandeira do Uruguai, embora preferisse a do Brasil) e a cantar músicas do Villa-Lobos. Final dos anos 60, início dos anos 70. Tanta coisa acontecendo aqui e no mundo e grande parte do meu mundo era aquela Escola. So pude saber o que acontecia muitos anos depois... eu e muita gente. Eu quero falar dela. A antiga 6ª Série ou Ano, era chamado de Admissão ao Ginásio. E nós tínhamos duas Professoras. Uma delas, em particular, literalmente, me encantava. Tinha a pele muito clara, o cabelo muito preto, nariz grande, meio grega, alta. Tinha um rosto expressivo, olhos enormes. Mas não era isso, ela podia ser medonha, a Cuca, sei lá e ainda assim encantaria. Era a desenvoltura, o modo de falar. No final dos anos 60, essa Professora sentava na mesa (à propósito, foi com ela que eu aprendi a dar aula, eventualmente, sentando na mesa). Havia alguma coisa de diferente, de novo, de fresco, de autêntico naquela Professora. Tanto que eu tive coragem de perguntar o que era ser comunista. "Vc gosta de sorvete? Então, no comunismo vc precisaria dividir o seu sorvete com todos os seus colegas." A minha memória sempre foi figurativa. De imediato, eu pensei na lambança monumental que seria, fiquei sem entender e desconfiei que comunistas deviam se interessar por outras coisas, que não sorvete. O que importou no episódio, não foi a resposta. Podia-se perguntar qualquer coisa pq ela estava disponível e nós sabíamos. Havia liberdade, disponibilidade e confiança. No meu caso tb, a mais genuína admiração... quando eu crescer eu quero ser assim, chegar como ela chega, ocupando todos os espaços com a sua presença, falar como ela fala, esse tom grave. Tem nome, claro: Professora Vera Stamile e está viva. Muitos anos depois, lecionando "Didática", tornei o "menino da cadeira" e a "Profª Vera Stamile" exemplos (entre outros tantos, não menos importantes) do que me constituiu "Professora". A minha identidade inclui esses dois elementos. Mutante, tem os seus elementos acrescidos, subtraídos, substituídos, enfim, modificados no exercício diário desse ofício que exige uma prontidão afetiva e emocional, nem sempre possível...

Lembranças do Aprendizado...



"... há um menino, há um moleque morando dentro do meu coração, toda vez que o adulto balança, o menino me dá a mão. Há um passado no meu presente, um sol bem quente lá no meu quintal, toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão..."

Faltavam poucos minutos para terminar a aula. Na época (1987) eu falava quase sem respirar. Os alunos mal conseguiam piscar. Era como se houvesse um mundo, "um vasto mundo", que devesse ser compartilhado, com ansiedade e muita paixão. Eu estava me familiarizando com os ritmos, com o tempo e os rituais da Escola, daí a preocupação com a "ordem". E faltavam dois minutos. Um menino levantou, foi até o quadro e começou a desenhar. Suprema heresia! O controle ameaçado. Eu pedi então que o menino sentasse. Ele, maravilhosa e esclarecedoramente, sentou-se e sentado foi arrastando a cadeira até o quadro para... continuar desenhando. E isso foi o mesmo que dizer (e eu pude ouvir): "Professora, não é o fim do mundo! A tensão, aqui, deve percorrer outros caminhos. A minha criatividade e a minha inteligência são muito mais interessantes que a sua 'ordem' e o seu 'controle'". Eu ri e depois agradeci. Nos anos seguintes, eu lembrei desse menino dezenas de vezes. Ele passou a fazer parte de mim.